Apenas por pessoas de alma já formada

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Sick bastard

Ela usava roupas largas, óculos fundo de garrafa, cabelos presos. Não havia nada nela que chamasse atenção fora o fato de ela não chamar atenção alguma. Sem roupas de marca ou joias exageradas. Ela se sentia segura daquela forma. Andava despreocupada até mesmo nos becos mais escuros por onde obrigatoriamente tinha que passar.
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Naquele dia, ela estava mais feliz do que normalmente estaria. Havia comprado, a duras prestações, o fone de ouvido perfeito: de alta tecnologia e quase imperceptível de tão pequeno. Não era ligado a fios e nem era parecido com uma nave espacial para orelhas. Nos becos escuros por onde andava, ninguém perceberia sua nova aquisição. Não roubariam algo que nem sequer conseguiam ver.
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Eram mais de onze horas da noite. Um pouco mais tarde que seu horário normal. Ela já estava habituada a andar ali, então não sentia medo, mesmo àquele horário. Já fazia parte de sua rotina. Não tinha como escapar. Não existia outro caminho, senão aquele.
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Ela caminhava lentamente, ouvindo suas músicas favoritas. Pensava em seus planos para aquela noite: nenhum. Chegaria em casa, tomaria um bom banho e cairia na cama. Ela dormiria. Fora um dia cansativo e demasiadamente monótono. A única coisa que salvou suas últimas vinte e quatro horas foi o perfeito fone de ouvido. Apenas sua nova aquisição lhe dava motivos para se sentir feliz.
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Ela andava despreocupada. Não havia ninguém por perto. (Não sabia se era melhor estar sozinha ou acompanhada.) Até que, em um instante, tudo mudou. Ela de repente sentiu um frio na barriga ao notar sua sombra se mesclar à outra. Ela não estava mais sozinha. Alguém se aproximou, perto demais para aquela hora da noite. Ela tentou correr. Seu instinto falando mais alto. Era tarde demais para alguém pedir informações. Ele não queria informações. Ele queria mais.
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Ela não conseguiu ser veloz o suficiente. Ele a agarrou mais rápido. Ela não conseguiu escapar. Seu óculos fundo de garrafa, sem o qual não conseguia ver absolutamente nada, se perdeu com o movimento. Ela gritou, mas não havia ninguém na rua para ajudá-la. Ela estava sozinha com aquele que agora a atacava. Ela gritava, mas nem mesmo ela ouvia coisa alguma. Não ouvia os próprios berros, tampouco os berros alheios. O fone de ouvido mostrando serviço, fazendo juz ao seu valor. A música que ouvia era uma de suas favoritas. Ela odiaria aquela música para sempre.
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Ele foi cruel em sua brutalidade. Rasgou rapidamente as roupas que ela trajava. Ele segurava os braços da menina com força. Ela podia sentir sua pele rasgando. O sangue escorrendo. O chão áspero machucando suas costas. Chão sujo, de certo. Tão sujo quanto aquele homem. Tão sujo quanto aquela cena.
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Ela não conseguia ver nada. Não via nada sem seu óculos. Ela só podia sentir. A dor possuía seu corpo e ela nem podia ver a cara de seu agressor ou ouvir as palavras de certo nojentas que ele dirigia a ela.
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Ela tentava afastá-lo com suas fracas pernas. Não era o bastante. Houve um momento em que ela simplesmente desistiu. A força se esvaiu de tal forma que seu corpo desfaleceu. Foi tudo violento demais para ela.
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Algum tempo depois (tempo demais, tempo de menos, não se sabe ao certo), encontraram seu corpo desmaiado, abandonado no cenário de seu brutal estupro. Ele a violentou e a deixou com vida, mas sem orgulho algum. O trauma foi grande demais.
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Ela sentia nojo de si mesma. Não conseguia mais olhar no espelho. Não queria que ninguém a tocasse. Ela não conseguiu sair de casa por um bom tempo. Ela não permitia que as pessoas sequer se aproximassem dela. A vida de repente perdeu todo sentido para ela que nunca pediu nada da vida além de uma vida comum, sem grandes eventos, sem grandes façanhas.
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Ele devia estar solto por aí. Ela sentia raiva dele. Como alguém pode ser doente o bastante a ponto de obter o que quer à custa do sofrimento alheio?
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Ela não andou mais em becos escuros, nem comprou mais nada a prestações. Ela não ouviu mais música. Ela nunca mais foi a mesma.
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posted by mente inconstante at 14:25

11 Comments:

Nossa,sabe quando vc esta lendo algo com tanta empolgação que vc pega e até fica mais perto da tela lendo e cada linha é como se fosse a última?eu acabei de ler assim!
Está aí uma das coisas que mais fico indiguinada nesta vida.O pior é que nunca ela vai voltar ao normal,nunca vai ser como era antes.Tudo muda depois que uma coisa dessas acontece.
:*

9 de novembro de 2009 às 18:09  

Eu queria saber escrever assim ;p

10 de novembro de 2009 às 08:59  

perfeito os seus textos, sério :D
Sabe, queria pedir um favorzão. ;x
blog novo e tals, me segue?
bgs ;*

10 de novembro de 2009 às 16:41  

Estou sem palavras...

11 de novembro de 2009 às 11:25  

cara... tudo muda depois de uma coisa dessas :// E a música vai ter sempre aquele gostinho de tragédia...
tá triste, adimito, mas tá lindo seu texto ^^
Saudadonas Vanessa! :**

13 de novembro de 2009 às 16:18  

Você provoca uma mescla de sensações nas pessoas com esse texto. De primeira a gente se identifica, depois nos horrorisamos com a brutalidade que pode existir dentro de um ser humano. Parabéns, o texto ficou extraordinário.

15 de novembro de 2009 às 13:32  

Tu escreve muito bem,mesmo o texto sendo triste,foi pefeito.
Inflizmente sabemos que acontece muito disso por ai..

;**

15 de novembro de 2009 às 14:51  

A menina de ontem não será a mesma de hoje e assim por diante! Beijos

15 de novembro de 2009 às 19:58  

Nossa Vanessa quer me matar né?tipo vi o comentário que vc me deixou na sexta só hoje,tava por acaso vendo os comentários dos post e PUFT um seu,pow então quer dizer q vc entra aqui e nao posta né,mas bele o importante é que vc entra.Então aguardando sempre o email com a proposta.
bjo,se cuida

16 de novembro de 2009 às 23:19  

eu nunca li um texto tão perfeiito como este, adoreiii.

:*

17 de novembro de 2009 às 13:25  

É incrivel eu num gosto de textos grandes mais os seus são MAGNIFICOS *-*

6 de janeiro de 2010 às 23:51  

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